O design por trás do livro de Wendy Andrade

O design por trás do livro de Wendy Andrade

Publicar um livro de artista é, também, embarcar numa construção coletiva. Eu Consigo Te Ver Feliz, estreia editorial do fotógrafo Wendy Andrade, propõe uma poética da imagem e do corpo negro em relação com o mar – como lugar de liberdade, ancestralidade e invenção. A publicação reúne fotografias feitas entre Salvador e Rio de Janeiro, em que jovens saltam, brincam e performam em plataformas improvisadas, numa coreografia espontânea e potente.

Em entrevista com os designers Lucas D’Ascenção, Carlos Bocai e Julia B Aguiar, conversamos sobre as escolhas gráficas que atravessam o projeto do livro: o uso narrativo da cor, a tipografia como gesto político e o cuidado como princípio de design. As respostas lançam luz sobre o processo por trás do livro – e sobre como beleza, luta e narrativa se encontram em cada detalhe.

 

A escolha das cores que permeiam o projeto gráfico parece facilitar ainda mais a harmonia entre as fotografias de Wendy Andrade e os textos – poemas e ensaios. Vocês poderiam explicar um pouco da narrativa que buscaram criar através do uso das cores? 

A narrativa visual do livro acompanha o ritmo de um dia, do amanhecer ao anoitecer – uma estrutura pensada a partir da organização das imagens feita pelo editor Vitor Casemiro. O livro começa no mar, ao amanhecer, com tons mais quentes no céu, e avança até a noite, em que predominam cores mais frias e escuras. A paleta de cores foi escolhida para representar essa passagem do tempo: o laranja remete ao nascer e ao pôr do sol; o azul, ao dia e à transição para a noite. Essa progressão aparece também nas páginas de texto, nas quais as cores evoluem gradativamente do laranja ao azul, reforçando a ideia de jornada e transformação. 

No projeto gráfico, a cor se torna ferramenta narrativa – carrega a passagem do tempo e comunica, de forma sensível, a experiência de um dia que nasce e se transforma.

 

Wendy comentou, durante o lançamento do livro na livraria Megafauna, sobre como a militância dele é a beleza. No evento, vocês mencionaram as fontes escolhidas para compor o livro e a relação delas com o movimento negro internacional e a associação a importantes campanhas por direitos civis. Do ponto de vista do design, qual a importância de colocar a beleza e a militância em diálogo? E como isso dialoga, na visão de vocês, com o projeto artístico do Wendy?

Uma parte importante da luta por direitos é trazer visibilidade e importância para corpos marginalizados. O trabalho de Wendy, por si só, carrega uma autenticidade, dando protagonismo a meninos negros constantemente afetados pelo racismo. Assim, a atenção aos detalhes, compondo cada página com esmero, é uma forma de enaltecer esse menino negro e o olhar de Wendy. 

Decisões de design enraizadas em referências concretas, mesmo que nem sempre visíveis ao público, ajudam a construir uma narrativa consistente e genuína. Durante o processo, escolhemos trabalhar com a The Neue Black da Vocal Type, uma tipografia inspirada em cartazes do “Freedom Festival Against Slums and Segregation”, festival parte do movimento de luta por direitos civis de Chicago em 1966, liderado por Martin Luther King. Tipografia também é voz: dá tom às palavras, e quando forma e conteúdo se conectam, o projeto ganha ainda mais força.

Os saltos desses meninos também são um salto para a liberdade. O mar, lugar que por tantas vezes significou dor para o povo negro, se torna um lugar para se ver beleza. Diagramar o livro pensando sempre em como melhor apresentar essas imagens, através de rimo e contemplação, é uma forma de garantir a sua mensagem e mostrá-las sempre da melhor forma possível. É a partir dessa beleza, visível e não visível, nem sempre tão direta, mas que também une passado e presente e valoriza as histórias ali contadas, que seguimos durante o processo de criação do livro. 

 

Como uma casa editorial focada em livros de arte e design, sabemos do cuidado por trás da construção de um projeto gráfico e as intenções narrativas por trás das escolhas da equipe de design. O que vocês esperam que o público leve consigo ao folhear o livro Eu Consigo Te Ver Feliz?

A poesia e a intencionalidade do trabalho do Wendy. Cada escolha tipográfica, de composição e de layout busca representar a poesia visual e a tensão entre palavras e imagens que atravessam seu trabalho. Wendy uma vez disse que sua prática existe entre o dito e o não dito. A partir do design, procuramos tornar visível essa tensão – entre o cheio e o vazio, a intensidade e a serenidade.

Esperamos que o leitor experiencie um projeto que se costura do início ao fim – da ideia à concepção final, do clique da câmera à encadernação. Cada elemento foi pensado para valorizar, para além do trabalho do artista, as personagens que ali aparecem. O foco está no corpo negro, no mar, na plasticidade do movimento e nas histórias que emergem a partir daí. Assim como os meninos saltam, imagens e palavras também.

 

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