Repensando o Modernismo Brasileiro

Feb 19, 2025
Repensando o Modernismo Brasileiro

Uma Crítica à Perspectiva Eurocêntrica de Laura Cumming

Por Fernando Ticoulat

 

Ao lermos o artigo da jornalista Laura Cumming publicado no The Observer sobre a exposição Brasil! Brasil! The Birth of Modernism, que estrou em janeiro na Royal Academy of Arts de Londres, somos confrontados com uma crítica que não se propõe a dialogar com a complexidade dos processos históricos e culturais que moldaram a arte no Brasil. Rotular a mostra de “desconcertantemente fraca” revela, mais do que uma avaliação estética, uma postura que insiste em aplicar um olhar tradicionalmente eurocêntrico a uma produção artística enraizada no encontro de múltiplas culturas, além de ser um termômetro dos tempos sombrios que estamos atravessando.

De largada, ressalto que não se trata de defender a exposição por mero sentimento nacionalista. Aliás, infelizmente, não visitei a mostra. O que me preocupa é a forma da crítica, especialmente por conta dos intensos debates acerca da existência e relevância da crítica de arte em tempos atuais. Uma boa crítica independe de viés positivo ou negativo sobre seu objeto, o que importa mesmo é ser propositiva, gerar ideias e reflexões. Uma crítica construtiva não deve se limitar a elogios ou desqualificações radicais; ela reconhece a diversidade da prática artística, permitindo uma abertura a possíveis interpretações das obras.

 

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Tarsila do Amaral, "Operários" (1933)

 

O texto de Cumming é falho por ser uma crítica simplista, depreciativa e absolutista. Falho por não se abrir para nuances ou contemporizações e, ao adotar um julgamento totalizador, falho em contribuir para um debate, qualquer debate. No fim, acaba reproduzindo um modelo de crítica que, lamentavelmente, se alinha com a virada política à direita – um cenário no qual ataques desmedidos, fruto de um ressentimento generalizado, vêm se normalizando. Inclusive, acredito que este seja o ponto fundamental: a boiada do preconceito, ódio ao outro e ganância está realmente passando. Se não nos posicionarmos, eventos como o ocorrido com a exposição do Queermuseu em Porto Alegre podem acabar corriqueiros. “Atenção para o refrão, é preciso estar atento e forte”.


Voltando à exposição Brasil! Brasil!, é bom dizer que a história do modernismo brasileiro não se fez pela simples replicação de modelos importados, mas por meio de uma profunda ressignificação dos legados coloniais, indígenas, africanos e das inovações que vieram do exterior. Esse mosaico cultural permitiu modernismos assim mesmo no plural – com identidades próprias, capazes de dialogar com os paradigmas globais sem se submeter a parâmetros normativos. Cumming ignora justamente essa riqueza: a arte brasileira, com sua pluralidade e capacidade de reinventar tradições, jamais se resume a uma cópia ou a uma tentativa falha de imitar o consagrado.

 

Brasil! Brasil! The Birth of Modernism - At the Royal Academy of Arts

Cartaz da exposição "Brasil! Brasil! The Birth of Modernism" na Royal Academy of Arts

 

O modernismo brasileiro foi – e continua sendo – fruto de um embate constante entre o desejo de pertencer a uma tradição global, e a necessidade de afirmar uma identidade inerentemente híbrida e multifacetada. Ao tentar medir essa produção por uma régua que desconsidera seus contextos sociais, históricos e culturais, a crítica de Cumming se mostra desinformada e superficial. O seu desdém não é apenas reducionista; revela, ainda, um preconceito que subestima as singularidades de uma arte que, desde o início, se opôs ao centralismo das narrativas europeias.

Feb 10, 20250 comentáriosPaula Nunes