Vivian Caccuri: entre a arte de ouvir e a música da cidade

Vivian Caccuri: entre a arte de ouvir e a música da cidade

Por ocasião do Dia Mundial da Música, entenda como a obra de Vivian Caccuri continua – e potencializa – uma vontade pautada há mais de 50 anos.

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O Dia Mundial da Música, celebrado no Brasil em 1° de outubro, tem suas raízes em um encontro marcante ocorrido na década de 1940, entre os musicólogos Charles Seeger e Luíz Heitor Corrêa de Azevedo, movidos pela vontade de registrar e preservar a música popular brasileira. Nas palavras de Azevedo, no livro 150 anos de música no Brasil: 1800-1950:

A música popular brasileira é multiforme, refletindo com extrema sensibilidade às diferentes condições do meio étnico, social ou geográfico em que se manifesta.

Mais de 50 anos depois do início dessa missão, Vivian Caccuri estabelece um processo similar, agora explorando não apenas a prática musical, mas todo o espectro do som. Em suas Caminhadas Silenciosas, a artista busca sair da forma de pensamento verbal e se conectar de forma mais profunda com um raciocínio musical, sonoro e visual. Para Bernardo José de Souza, um dos autores na monografia da artista, publicada pela Act Arte, a inquietação alimentada por Caccuri nessas pequenas doses de silêncio deliberado funcionam como gatilho para a percepção temporal e espacial:

Assim como um prédio abandonado nos remete a um lapso histórico-temporal, promovendo então uma digressão ao passado, a buzina de um automóvel, o canto de um pássaro ou o barulho de uma obra sinalizam ações a transcorrer num espaço próximo sobre qual não temos acesso visual, ainda que saibamos de sua existência.

Caminhada silenciosa, 2012–16
Performance no Terraço da Central do Brasil, Rio de Janeiro

 

Vivian Caccuri explora sistemas de som também a partir de seu interesse em práticas populares do acesso à música, como bailes funk e festas de dub e reggae. Através do contraponto entre a contemplação da gentrificação do centro do Rio de Janeiro e a resistência cultural periférica, nasce, por exemplo, obras como Odebrecht Soundsystem (2015), composta de um aglomerado de caixas de som formando um paredão sonoro coberto por placas de vidro. 

Odebrecht Soundsystem, 2016
225 × 240 × 58 cm

Explorando os contrastes entre materialidades, a artista transporta a estrutura de som tradicionalmente periférica e de origens latinas e afro-atlânticas para espaços em processo de gentrificação, desafiando estruturas de poder e questionando o uso e os acessos aos espaços de cultura – caminho também proposto em sua obra exposta na 32ª Bienal de São Paulo: TabomBass, em que a artista convidou o coletivo Dubversão Sound System e artistas ganenses a tomar conta da instalação e tocar suas músicas na parede de subwoofers colocada no espaço expositivo. 

Por ocasião do Dia Mundial da Música, então, somos convidados a perceber que a escuta – seja ela musical, ambiental ou espectral – continua sendo uma ferramenta potente de preservação, crítica e transformação social. Mesmo separadas por décadas, a vontade dos musicólogos, em 1940, e a trajetória de Vivian Caccuri convergem na valorização das expressões populares e periféricas como formas legítimas de conhecimento e resistência. Assim, celebrar o dia da música é também celebrar essas múltiplas escutas que atravessam o tempo, corpos e territórios. 

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O livro Vivian Caccuri – Criatura som e seus espectros é uma monografia publicada pela Act Editora que atravessa a trajetória de mais de quinze anos da artista e sua pesquisa que transita entre arte têxtil, performance, desenho e escultura. Confira mais garantindo sua cópia da publicação.