Dos nossos livros à Bienal de São Paulo

Dos nossos livros à Bienal de São Paulo

 

“Humanidade como verbo, uma prática viva, em um mundo que exige reimaginar as relações, as assimetrias e a escuta como bases de convivência.” É com essa toada que se organiza a 36ª Bienal de São Paulo — a grande mostra de arte contemporânea que movimenta museus, galerias e centros culturais em todo o país.

Aberta ao público desde o dia 6 de setembro, a mostra intitulada Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática conta com curadoria do Prof. Dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, sua equipe de cocuradores Alya Sebti, Anna Roberta Goetz e Thiago de Paula Souza, além da cocuradora at large Keyna Eleison e da consultora de comunicação e estratégia Henriette Gallus

Pensando no conceito central da mostra, que reflete a multiplicidade de encontros que marcaram a história do Brasil e propõe que a humanidade se transforme por meio da escuta atenta e da negociação entre seres e mundos distintos, apresentamos duas artistas participantes dessa 36ª edição – e que também integraram o livro Arte, Energia, Relação, publicado pela Act Arte em 2023.


Maria Magdalena Campos-Pons

 

Abordando questões a respeito da história, da memória, do gênero e da religião, María Magdalena Campos-Pons investiga como essas temáticas influenciam a formação de sua identidade e práticas artísticas. Cubana descendente de nigerianos escravizados, a artista cresceu imersa em narrativas sobre o legado da escravidão, misturadas às crenças da santería - religião oriunda dos iorubás que absorve elementos do cristianismo e das crenças indígenas das Américas e do Caribe. De forma profundamente autobiográfica - muitas vezes usando a si mesma e a seus familiares como personagens - e diretamente inspirada pelas tradições, rituais e práticas de seus ancestrais, Campos-Pons elabora fábulas históricas que jogam luz ao passado e ao presente, rememorando o espírito de pessoas e lugares, e tornando universais narrativas montadas a partir de sua trajetória pessoal. Transdisciplinar, ela sempre experimentou com instalações multimídia, desenhos, pinturas e performance. Apesar da diversidade de práticas, o mar é figura constante em seu corpo de trabalho. Repositório de memória e local de formação identitária, este elemento permite à artista abordar questões que vão desde o tráfico transatlântico de escravizados às crises migratórias contemporâneas. O trabalho performático de Campos-Pons tende a se desdobrar em espetáculos ritualísticos que corporificam física e espiritualmente os territórios onde ocorrem, ao mesmo tempo em que se afirmam para além dos limites espaciais.

 

Myrlande Constant


O vodu é o motor da práxis de Myrlande Constant, que transformou profundamente a forma como a arte religiosa tradicional do Haiti é apreendida por aqueles que não estão familiarizados com seus aspectos culturais. Se os rituais de vodu são sempre acompanhados por estandartes bordados com miçangas e lantejoulas, a artista apodera-se desse símbolo sagrado e subverte-o, aplicando um método de bordado comum na alta-costura, além de elementos diversos como contas de vidro. O desafio das tradicionais questões de gênero está posto a partir da construção da bandeira - emblema de masculinidade latente - por meio de uma técnica associada ao universo feminino. O início da composição acontece no verso: guiada por sua intuição, Constant esboça um desenho preliminar e mantêm-se no mistério, já que não vê a frente do trabalho até que ele esteja terminado. A partir do limiar do visível, ecoa as crenças vodu de representação do espaço invisível, a fluidez cultural contemporânea e a história violenta do Haiti. São arranjos carregados de energia e misticismo que trazem divindades e santos cristãos imersos em atmosferas mágicas. O cerimonial se sobrepõe ao cotidiano e o tempo é tratado como soma de temporalidades, enquanto as representações interagem entre si, desenvolvendo narrativas nas quais sexualidade, política e religião entram no espaço da nomeação e do direito.


Confira as obras das artistas na Bienal de São Paulo até 11 de Janeiro de 2026!

 

Você acaba de ler destaques do livro Arte, Energia, Relação escritos por Caio Meirelles Aguiar, Ícaro Ferraz Vidal Jr. e Tiê Higashi. O livro reúne 21 artistas latino-americanos contemporâneos cujas práticas são marcadas por um forte componente metafísico, mitológico e idiossincrático.

Sep 17, 20250 commentsYasmin Abdalla